quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Rebeldia Lucrativa

O Equívoco: Tanto o consumismo quanto o capitalismo são sustentados pelas corporações e publicidade.

A Verdade: Tanto o consumismo quanto o capitalismo são sustentados pela competição entre os consumidores por status social.

Beatniks, punk rockers, grunge rats, metal heads, goth kids, hipsters - todas essas tribos têm algo em comum e esses são só os exemplos mais atuais. Voltando um pouco teremos os expoentes da contracultura, hippies e os anti-qualquer-coisa que simplesmente iam na direção contrária da cultura de massa.

A vontade de ir contra a maioria é comum, a maioria das pessoas viveu um tipo de adolescência rebelde querendo ir contra tudo e todos, essa rebeldia pode ter sido desencadeada ao descobrir os paradigmas da manipulação midiática, o apelo para o consumismo ou, simplesmente, para separar "ideologicamente" grupinhos no colégio.

Era uma época em que você tentava se diferenciar dos demais, encontrar sua verdadeira personalidade, se tornar uma pessoa singular. Então você parou de consumir blockbusters, música pop e parou de assistir novelas justamente para se sentir diferente do rebanho.

Mas apesar de se distanciar da cultura de massa você continuou assistindo filmes, séries e ouvindo músicas, mesmo que sejam títulos que supostamente pouca gente conhece. Mas se você acha que por esse caminho você conseguiu comprar sua individualidade, bom, você não é tão esperto quanto pensa.

O início

Desde 1940, quando o capitalismo se apropriou da publicidade, relações públicas e pscicologia, o mercado foi ficando muito mais eficiente, eles sempre terão algo a lhe oferecer, independente do seu gosto ou suposta singularidade.

Esse punk acima, por exemplo, ele teve que comprar as roupas, calçados, piercings, tatuagens e fazer um corte de acordo com a imagem rebelde que queria passar. Ou seja, para ele ter o visual revoltadinho que ele queria muita gente ganhou dinheiro.

Esse é o estranho paradoxo, tudo é parte do sistema, mesmo a ideologia anti-sistema. Cada nicho aberto pela rebelião anticapitalismo abre um novo nicho de mercado a ser explorado pelo capitalismo. Imediatamente as empresas se empenham em criar produtos para as pessoas que não querem comprar o que todo mundo está comprando.

O consumo da ideologia anti-consumista

No final dos anos 90 e começo dos anos 2000 essa manifestação anti-sistema ganhou o cinema com filmes como Clube da Luta, Beleza Americana, Nação Fast Food e A Corporação. Mas mesmo que os criadores dessas obras tivessem a melhor das intenções o seu trabalho gerou lucro. Seu grito contra o consumo foi consumido.

Michael Moore, Noam Chomsky, Kurt Cobain, Andy Kaufman - eles podem ter tido ideais legítimos e possivelmente estavam realmente preocupados com a criação de arte ou pesquisas acadêmicas, mas uma vez que seu trabalho caiu no mercado ele encontrou seu público e se tornou um produto que os fez ricos.

Joseph Heath e Andrew Potter são dois filósofos que escreveram um livro sobre isso em 2004, chamado The Rebel Sell (Rebeldia Vende, em tradução livre). O tema central é que você não pode ir contra o "sistema", "cultura de massa" ou "a humanidade" através de um consumismo rebelde.

Ilusão ideológica

Veja que o pensamento comum da maioria dos grupos "anti-qualquer-coisa" é bem parecido:
Todas as instituições são interligadas e trabalham juntas para manter as pessoas no comodismo e assim vender mais para a maioria delas. Os meios de comunicação e publicidade em geral trabalham em prol da homogeneização dos desejos de consumo da grande maioria.

Para fugirmos do conformismo e do consumismo teremos que virar as costas para a cultura de massa, só então nos libertaremos dessa prisão e veremos o mundo como ele realmente é. Finalmente sairemos dessa grande ilusão e nos tornaremos pessoa reais.

Mas Heath e Potter dizem que o problema é que o sistema não dá a mínima para o conformismo. Na verdade ele ama a diversidade e precisa de descolados, undergrounds e hipsters para que ele prospere cada vez mais.

Reciclando o mercado

Como exemplo digamos que você gosta de uma ótima banda que apenas um pequeno numero de pessoas conhecem. Essa banda é pequena, não tem dinheiro para gravar um disco e só toca por prazer.

Mas eles são muito bons e você passa a falar sobre eles para todos, assim a fanbase dessa banda cresce, eles se tornam mais conhecidos e finalmente conseguem fazer dinheiro com shows, gravar um CD, aparecer na MTV e portanto ter mais fãs, mais visibilidade e mais dinheiro.

Depois disso tudo eles acabaram se tornando cultura de massa também e você deixa de ouvi-los, pois afinal todo mundo conhece. Então você vai continuar procurando bandas novas e autênticas e o ciclo se repete indefinidamente.

Bandas desconhecidas são um tipo especial de mercadoria. Eles sempre ascendem trazendo mais produtos ao mercado, seja as roupas vintage, acessórios descolados, indicações de filmes cult e todo um status social pseudo-underground que não são imediatamente absorvidos pela maioria, e portanto mantém um status social diferenciado.

Vendendo para rebeldes

Na década de 60 levou meses até que alguém teve a brilhante ideia de vender camisas e bottons com mensagens revolucionárias. Na década de 90 levou semanas para que começassem a vender camisas de flanela e calça desbotada. Hoje é tudo muito mais rápido, as empresas já contratam pessoas para irem a boates e festas justamente para prever qual será a próxima modinha da contracultura e já enchem as prateleiras com a antimoda do momento.

A contracultura, os hipsters e undergrounds acabaram se tornando a força-motriz do capitalismo. Toda vez que a subcultura se torna cultura de massa eles tem que se renovar e portanto novos produtos são criados num ciclo sem fim. A concorrência entre os consumidores pelo "autêntico" é o que faz o capitalismo girar.

Uma vez que tudo é produzido em massa, e muitas vezes para uma audiência de massa, encontrar e consumir coisas que apelam ao seu desejo de autenticidade é o que move esses itens, artistas e serviços a partir do fundo para o topo - onde podem ser consumidos em massa.

A competição pela singularidade


Um século atrás as pessoas eram definidas unicamente pelo seu trabalho e as poucas coisas que eles possuíam era produtos feitos à mão, cada produto artesanal tinha uma singularidade. Hoje todos são consumidores de produtos que são feitos em massa, portanto tem que escolher mercadorias que estão disponíveis para todos. É nessa escolha de produtos que as pessoas tentam definir sua personalidade, o quanto tem "bom gosto", o quão irônico ou obscuro são suas escolhas, etc.

Todos que vivem acima da linha da pobreza, mas não são ricos, não tem escolha a não ser trabalhar para sobreviver. Você tem um emprego que lhe paga o suficiente para subexistência (comida e moradia) e não é necessário mais uma competição pela sobrevivência, você simplesmente troca o fruto de seu trabalho por dinheiro, e com sorte sobra alguns trocados nessa equação, é com o que sobra que você poderá comprar os itens que "definem" sua personalidade marcante e singular.

Como disse Christian Lander, autor de Stuff White People Like, estamos sempre competindo entre nosso iguais por status, seja pelo "melhor gosto" em músicas e filmes ou por possuir o vestuário mais autêntico.

Ter uma opinião discordante sobre sobre filmes, músicas ou roupas é o caminho que a classe média tem de provar sua singularidade. Eles não podem consumir o que os ricos consomem, portanto eles tentam obter o status entre seus iguais, através da diferença.

Hipsters, os agentes de reciclagem

Hipsters são o resultado direto deste ciclo de consumo autêntico, obscuro, irônico e inteligente. O que é irônico, no sentido de que o próprio ato de tentar ir contra a cultura é o que cria um novo mercado "diferenciado" que mais tarde se tornará consumo de massa.

Se você espera tempo suficiente verá que a moda dominante de hoje, em breve cairá no esquecimento. Quando isso acontece, as pessoas que buscam pelo autêntico se apropriam da antiga moda. Não é um busca pelo valor das coisas em si, mas pelo valor da atitude de ser diferente. Uma vez que pessoas suficientes aderem a "nova moda antiga", ela volta à moda e a busca começa novamente.

Mas não se preocupe com isso, a competição é inerente ao ser humano, se fosse na época das cavernas estaríamos competindo por comida, hoje a classe média compete por status e os ricos competem por patrimônio. A competição sempre existe em todos os níveis.

O problema é quando você se obriga a trabalhar num subemprego que odeia, apenas para comprar itens que teoricamente te tornariam uma pessoa autêntica, só para mostrar aos outros como você é um floquinho de neve único e especial. Mas no final das contas você sabe que nada disso tem valor real.

Links:
Audio of a presentation given by Potter and Heath
Stuff White People Like
Great Interview with Christian Lander
White Whines
Look at this F**king Hipster

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 Texto Original: http://youarenotsosmart.com/2010/04/12/selling-out/