segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Fanboysmo e lealdade a marcas

O Equívoco: Você prefere as coisas que possui às coisas que não possui porque fez uma escolha racional no momento da compra.

A Verdade: Você defende as coisas que possui porque racionaliza suas "escolhas" passadas para preservar o senso de controle sobre sobre suas decisões.

A internet mudou a forma como as pessoas discutem

Visite qualquer lista de discussões online e você encontrará uma eterna guerra entre fanboys, cada um defendendo com unhas e dentes o por quê de o produto que escolheu ser melhor que todos os outros.

Na cultura moderna do consumismo as pessoas sempre estarão competindo por status, esse debate é uma das formas delas imporem ao mundo que seu gosto é melhor que o gosto dos outros. (Leia também Rebeldia Lucrativa)

Mac x PC, PS3 x XBox, iPhone x Android - e por ai vai.
Normalmente, esses bate-bocas são entre os homens, porque os homens têm um maior apego ao ego e, mesmo que não haja nenhum tipo de insulto real em uma afirmação como "Samsung é boa nesse tipo de tecnologia", um fanboy da Apple pode (e normalmente vai) se sentir pessoalmente ofendido por isso. Essas discussões geralmente são sobre gadgets que custam muito dinheiro, e quanto mais caro é o produto maior é a lealdade que seus consumidores têm pela marca.

Fanboysmo

Fanboyismo não é nada de novo, é apenas um componente de branding, algo que os profissionais de marketing e anunciantes fazem desde os primórdios, quando a Quaker Oats em 1957 criou um logotipo amigável para ir em seus sacos de aveia. A empresa queria que as pessoas associassem a confiabilidade e a honestidade dos quakers com seu produto. E funcionou.

Esta foi uma das tentativas, senão a primeira, de criar fidelidade à marca - essa conexão emocional que as pessoas têm com algumas empresas que as transformam em defensores dedicados de marcas que não dão a mínima pra eles (só querem que eles continuem comprando).

Você não se importa com qualidade ou gosto, mas sim em justificar sua "escolha"

Em um experimento na Universidade de Baylor eles distribuíram para as pessoas copos contendo Coca Cola ou Pepsi, os copos eram todos iguais e não havia como distinguir um produto do outro. Enquanto as pessoas bebiam os refrigerantes eles escaneavam o cérebro dos participantes, monitorando o grau de satisfação para cada um deles. Nesse experimento o dispositivo demostrou claramente que um certo número de participantes sentia mais prazer ao beber Pepsi do que Coca.

Quando os pesquisadores demonstravam aos participantes que eles gostaram mais de Pepsi do que de Coca, alguns fanboys da Coca Cola fizeram algo inesperado, eles contrariaram seu próprio cérebro e diziam que tinham gostado mais da Coca.

Ou seja, eles confrontaram a forma como o cérebro interpretou o gosto e defendem sua "escolha racional". Olhando superficialmente parece que eles simplesmente mentiram, no entanto não foi só uma mentira para se proteger, eles efetivamente modificaram sua memória de forma a ter preferido, desde o começo, o seu refrigerante predileto.

Em algum momento do passado eles passaram a ser clientes leais da Coca Cola, não necessariamente porque gostavam dela mais do que da Pepsi, mas por outras questões. Portanto, a contradição nesse caso ativava suas enormes construções mentais e impedia que eles admitissem que tinham gostado mais do concorrente.

Adicione esse tipo de lealdade a algo caro, ou a algum hobby que demande mais investimento de tempo e dinheiro, e você terá um fanboy. Eles vão defender aquilo que gostam, vão ridicularizar a competição e ignorarão os fatos que os contradizem.

Como é criado esse tipo de conexão emocional?

Se você pensar em produtos de primeira necessidade você não verá fanboys. Todos têm que comprar papel higiênico, por exemplo, ou gasolina, mas dificilmente eles defenderão certas marcas em detrimento a outras, pois nesse caso você não tem escolha se vai comprar o produto ou não, você precisa dele então qualquer um pode servir.

Por outro lado, se o produto é desnecessário, como um iPad, há uma grande chance do consumidor se tornar um fanboy, pois ele sente a necessidade de justificar para a sociedade por que ele gastou uma quantidade considerável de dinheiro em um produto desnecessário, como um tablet, e por que ele escolheu um Apple em detrimento a outras marcas.

Como a marca se torna parte de sua personalidade

Se você tem que racionalizar por que comprou determinado item de luxo, provavelmente vai encontrar formas de encaixar aquele item em sua autoimagem. Uma marca te dá um tipo de individualidade, se torna praticamente uma parte de sua personalidade, te dá a oportunidade de mostrar que você é a pessoa que você pensa que é.

A Apple, por exemplo, não foca sua publicidade na qualidade de seus produtos, mas sim no quão "descolados" são os seus consumidores. A ideia é que você compre não só o produto, mas um estilo, como se você pudesse dizer: "Não sou um nerd conservador, tenho bom gosto e talento."

Um computador da Apple é realmente melhor que um PC? Quando você analisa os dois empiricamente, faz os testes de hardware e software de forma objetiva, há realmente uma diferença?

Isso não importa

Essas considerações vêm depois que a pessoa começa a ver como aquele produto se tornou parte de sua personalidade. Quando você começa a se ver como alguém que só usa Apple, ou que dirige apenas Hondas, ou que só bebe Stella, você já se tornou um fanboy. Depois disso você terá os argumentos para defender sua marca, além de apontar as "falhas" em todas as outras marcas (e convenientemente ignorar as falhas da marca de sua escolha).

Há uma série de vieses cognitivos que convergem para criar esse comportamento. Você realmente passa a sentir que os produtos que você possui são superiores aos outros e que vale a pena pagar mais por isso (Leia sobre o Endowment Effect).

Psicólogos fizeram um teste demostrando que o valor do produto está associado à conexão emocional. Num experimento eles perguntaram ao grupo quanto eles estavam dispostos a pagar por um brinco de pena (desses vendido por hippies na rua), como sabemos o valor de produção desse artigo é ínfimo, então o valor que eles deram não se baseia no seu custo.

Na média o valor proposto por eles ficou em torno de R$15. Depois disso então elas ganharam esses brincos de presente. Depois os pesquisadores perguntaram por quanto elas venderiam o item recém adquirido e o valor subiu para uma média de R$25.

Ou seja, a propriedade, mesmo que por um curto período de tempo, agregou um valor emocional especial para as coisas, mesmo que essas coisas tenham sido ganhadas.

Outro viés que podemos observar é quando você gasta dinheiro com algo que originalmente não queria gastar e que não pode ser recuperado. Digamos que você paga pela comida e acha ela ruim, mas come do mesmo jeito, ou paga por um ingresso de cinema, não gosta do filme, mas assiste até o final.

Uma vez que você já gastou o dinheiro com algo você acaba se apegando a ele, digamos que você assina Sky há anos, mas vê que existem outras TVs por assinatura mais em conta ou mais completas hoje. Você vai instintivamente relutar (e criar argumentos para) não mudar de produto. Você sente que estaria perdendo o dinheiro que gastou investindo na marca.

Em resumo, quanto mais dinheiro/tempo você gastou com alguma coisa, com mais paixão você vai defendê-la

Digamos que você vai comprar uma televisão, normalmente você vai considerar uma série de fatores antes de fazer sua escolha, por enquanto você ainda não é leal a nenhuma marca e a escolha final acaba sendo meio instintiva. Ainda que as TVs sejam idênticas você vai valorizar mais aquela que você escolheu.

Para impedir que você se arrependa de ter comprado, você sobrevaloriza o produto depois da compra. É uma escolha puramente emocional. As justificativas (na maioria das vezes ilusórias) que você cria para defender sua escolha são importantes para que você diminua a ansiedade provocada pelo questionamento sobre qual é melhor.

As razões da escolha de um produto são normalmente irracionais, mas nesse terreno fértil da internet as pessoas vão continuar brigando e tentando racionalizar seu fanboysmo, como se isso demonstrasse o controle que ela tem sobre si mesma e a sua capacidade de escolhas.

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Texto Original: http://youarenotsosmart.com/2010/05/19/fanboyism-and-brand-loyalty/